“- Mas porque é que tu queres tanto que eu o tenha morto?”
“- Ele não disse se tinha morto algum?”
(TAVARES, Miguel Sousa, Rio das Flores , Oficina da Livro, 5.ª ed., pgs. 38 e 39, Lisboa, 2008)
Foram estas perguntas, insertas nas duas últimas páginas do 1.º capítulo do Rio das Flores, que me forçaram também a vir a terreiro, à semelhança do que fizeram doutas e ilustres personalidades relativamente à utilização indiscriminada dos particípios, regulares e irregulares, dos verbos morrer e matar. De facto, estes dois verbos são dos chamados ABUNDANTES por possuírem duas formas equivalentes nos respectivos particípios:
a) Morrer tem o particípio regular morrido e o particípio irregular morto.
Exs.: 1. Soube apenas ontem que o Francisco Lopes tinha morrido. 2. Quando os bombeiros chegaram, o homem já estava morto.
b) Matar usa matado como particípio regular e igualmente morto como irregular.
Exs.: 1. Disseram-me que o Manuel já tinha matado o porco. 2. O soldado foi morto por uma bala perdida.
A propósito, Celso Cunha e Lindley Cintra afirmam que “(…) De regra, a forma regular emprega-se na constituição dos tempos compostos da VOZ ACTIVA, isto é, acompanhada dos auxiliares ter ou haver; a irregular usa-se, de preferência, na formação dos tempos da VOZ PASSIVA, ou seja, acompanhada do auxiliar ser”[1].
Por sua vez, Edite Estrela, Maria Almira Soares e Maria José Leitão, reforçam esta doutrina, referindo: “ 1. Morto é particípio passado de morrer, mas estende-se a matar na voz passiva”. [2]
Segundo Rodrigues Lapa, “com os particípios irregulares exprimimos sobretudo o estado; com os regulares traduzimos a acção. Os primeiros têm um carácter parado, estático; os segundos são vivos e dinâmicos”.
Assim, se fossem tidas em linha de conta as regras atrás referidas, os exemplos citados apresentar-se-iam numa perspectiva semântica mais clara e mais realista: “- Mas porque é que tu queres tanto que eu o tenha matado?”; “- Ele não disse se tinha matado algum?”. Com efeito, o particípio regular está mais próximo da acção de matar e o irregular mais próximo do resultado ou efeito da acção, isto é,do estado em que ficaram os hipotéticos atingidos pelos tiros.
Alem disso, por vezes queremos minimizar a crueza de certas expressões e substituímo-las eufemisticamente por outras que se nos afiguram afins, mas que alteram a realidade que queremos expressar.
Não sei nem terá agora interesse saber qual foi a causa desta arbitrariedade do autor; se foi propositada para, por exemplo, reproduzir certo linguajar juvenil ou se terá sido fruto duma distracção dos revisores da editora.
O que importa, isso sim, é emendarmos a mão e procurarmos conhecer e seguir as regras que estão subjacentes ao bom uso da nossa língua.
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[1]. CUNHA, Celso e CINTRA, Lindley, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Edições João Sá da Costa, 6.ª Ed., pg.. 441, Lisboa, 1989
[2] .ESTRELA, Edite, SOARES, Maria Almira, LEITÂO, Maria José, Saber Escrever Saber Falar, Dom Quixote, 6.ª Ed., pg. 82, Lisboa, 2006
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Boa tarde,
Parabéns pelo excelente projecto que vou acompanhar fielmente!
Saudações
Sílvia
Anónimo disse...
4 de junho de 2009 às 06:53
Fiquei muito contente e orgulhoso de ter e poder tratar por Amigo um bloguer com douta “scripta et verba”.
Por isso, os meus parabéns e um grande abraço pela tua capacidade e tenacidade em prol da nossa língua falada e escrita.
É muito bom para ti, porque te vais manter muito mais atento e activo no nosso éter noticioso, e para mim, simples leitor embora critico, por poder usufruir dos teus conhecimentos nestas matérias.
Embora, nesta fase, tenha pouco tempo para me dedicar a estas artes marciais da “scripta et verba” bloguistas, prometo, sempre que puder, acompanhar esta tua nova actividade bem de perto.
Então “Força” companheiro e Amigo Tó e até breve, utilizando outro meio de comunicação.
Um abração do amigo
M.Reis
Unknown disse...
4 de junho de 2009 às 09:13