Vende-se andares/vendem-se andares

Por sugestão do meu amigo, Eng.º Miguel Vaz, vamos hoje reflectir um pouco sobre a confusão que ainda reina acerca da função da partícula se em frases como “vende-se andares” e “vendem-se andares”. À primeira vista parecem ser duas expressões semelhantes, apenas com a diferença de os predicados estarem escritos nas 3.ªs pessoas do singular e do plural, respectivamente. De facto encontramo-las a cada passo, indiscriminadamente escritas duma forma ou de outra e com o objectivo de quererem dizer o mesmo. Contudo, apenas uma forma está correcta: “vendem-se andares”
Vejamos o que, a propósito, escreveu Sá Nogueira[1]: “Se – Esta partícula desempenha em português várias funções e, por isso, é classificada de vários modos. Vejamos: a) É conjunção condicional na frase: «sairei se não chover». b) É pronome reflexo na frase: «Pedro feriu-se num dedo». c) É conjunção integrante na frase: «Dize-me se pensas cá vir amanhã». d) É partícula apassivante, segundo a classificação de uns, e pronome indefinido, segundo a classificação de outros. Aqui não nos interessa o problema da classificação desta partícula. O que nos interessa é a sua sintaxe. Vejamos: Diga-se: «vendem-se selos» e não «vende-se selos»; «compram-se móveis antigos» e não «compra-se móveis antigos»; «encadernam-se livros» e não «encaderna-se livros». Em tais casos, o verbo vai sempre para o plural, pois que se consideram estas frases equivalentes às seguintes orações passivas: «selos são vendidos», «móveis são comprados», «livros são encadernados» (…)”.




[1] NOGUEIRA, Rodrigo de Sá, Dicionário de erros e problemas de linguagem, Livraria Clássica Editora, 2.ª ed., Lisboa, 1974, pg. 343

2 comentários:

em primeiro lugar, agradeço a deferência, mas o termo "engº" era dispensável, nunca faço nem farei questão de títulos... sinto-me honrado por ter sido acolhida a minha sugestão. sabia que este assunto era polémico, por isso o sugeri, pois a forma no singular não se pode considerar forçosamente errada, embora seja de evitar. veja-se a análise seguinte, relativa ao exemplo "executa-se / executam-se trabalhos": Do ponto de vista exclusivamente linguístico, as duas frases estão correctas, importando no entanto analisar ambas as estruturas para as compreender.
Assim, na estrutura da primeira frase (Executa-se trabalhos de carpintaria), estamos perante um pronome pessoal clítico -se, com função de sujeito impessoal que acompanha um verbo no singular, sendo semanticamente equivalente a “alguém executa trabalhos de carpintaria”. Na estrutura da segunda frase (Executam-se trabalhos de carpintaria), estamos perante um pronome pessoal clítico -se apassivante que surge com um verbo no plural a concordar com o sujeito que é trabalhos de carpintaria, sendo semanticamente equivalente a “trabalhos de carpintaria são executados”.
Do ponto de vista do uso da língua, a estrutura da primeira frase (Executa-se trabalhos de carpintaria) é por vezes desaconselhada por alguns gramáticos. Na Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso CUNHA e Lindley CINTRA (Edições Sá da Costa, 1984, 14ª ed., p. 309), há mesmo uma indicação de que “Em frases do tipo: Vendem-se casas. Compram-se móveis. considera-se casas e móveis os sujeitos das formas verbais vendem e compram, razão por que na linguagem cuidada se evita deixar o verbo no singular.”

3 de julho de 2009 às 08:55  

venho aqui deitar mais achas para a fogueira, pois encontrei nova análise no site de dúvidas linguísticas do Flip (Priberam) que costumo consultar amiúde: "Nenhuma das duas expressões pode ser considerada incorrecta. Na frase Vendem-se casas, o sujeito é casas e o verbo, seguido de um pronome se apassivante, concorda com o sujeito. Esta frase é equivalente a casas são vendidas. Na frase Vende-se casas, o sujeito indeterminado está representado pelo pronome pessoal se, com o qual o verbo concorda. Esta frase é equivalente a alguém vende casas. Esta estrutura está correcta e é equivalente a outras estruturas muito frequentes na língua com um sujeito indeterminado (ex.: não se come mal naquele restaurante; trabalhou-se pouco esta semana), apesar de ser desaconselhada por alguns gramáticos (cf. Celso CUNHA e Lindley CINTRA, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa: Edições Sá da Costa, 1984, 14ª ed., p. 308-309), sem contudo haver argumentos sólidos para tal condenação." Helena Figueira, 6-Jul-2009

8 de junho de 2010 às 03:46  

Mensagem mais recente Mensagem antiga Página inicial